IV Congresso ULAPSI / Montevidéu / 2012
Ana Lúcia Faria
É importante iniciar dizendo que o corpo traz em si a memória da sua cultura, de sua época e está constantemente sendo (re) fabricado.
Para falar de corpo podemos também fazer uso dos historiadores. Denise Sant’Anna diz que “o corpo é o lugar da biologia, das expressões psicológicas, dos receios e fantasmas culturais; o corpo é uma palavra polissêmica, tem vários sentidos, é uma realidade multifacetada e, sobretudo, é um objeto histórico”. Também podemos pensar em Michel Foucault (1926-1984) com suas investigações sobre:
O corpo na vida privada;
O corpo em seu âmbito histórico;
Ele diz que nossos sentimentos, desejos, preferências, aparência e o fato de nos sentirmos sujeito do próprio corpo, são produzidos nas relações que emergem como constituintes do corpo. O essencial de seu trabalho é tornar problemático e, portanto, histórico, tudo aquilo que a priori tendemos a considerar “objeto natural”. Para Foucault, a pesquisa histórica não implica em buscar o “corpo”, mas sim as práticas e as experiências que visam fortalecê-lo ou enfraquecê-lo nas mais diversas circunstâncias, tais como, no lazer, no trabalho, na vida pública, nas instituições privadas, etc.
Antes de falar sobre a Análise Bioenergética gostaria de dizer que quando falamos do corpo, esta fala dependerá do nosso ponto de vista particular e assim abrimos mão da certeza e da ilusão de se ter um único ponto de vista e deixamos de exigir privilégios especiais para nosso modo de entender o corpo, a corporalidade. Para falar da Análise Bioenergética na América Latina é necessário lembrar como ela se iniciou nos EUA; a realidade que cada um desses países vivia quando esta abordagem se inseriu em suas sociedades, e sua trajetória até o momento atual.
A Análise Bioenergética é uma abordagem psicoterapêutica desenvolvida por Alexander Lowen (1919 – 2008) com base nas ideias de Wilhelm Reich (1897 – 1954), que concebe o ser humano a partir da noção da inseparabilidade corpo-mente e do fluxo energético. É uma abordagem que tem como eixo principal a unidade funcional entre os processos corporais e verbais. Trabalha conjuntamente com a realidade dos processos psíquicos, das relações interpessoais e dos processos físicos.
Para nós, psicoterapeutas bioenergéticos, não existe hierarquia entre mente e corpo, pois ambos exprimem, cada um a seu modo, a força da vida. Isto faz parte do nosso referencial teórico e de nossa aposta de trabalho.
Alexander Lowen foi aluno e paciente de Wilhelm Reich durante o período de 1942 a 1952.
De 1947 a 1952 Lowen foi para a Suíça estudar medicina. Quando retorna aos EUA não reencontra Reich e inicia então, junto com John Pierrakos, um trabalho sobre o seu próprio corpo.
Lowen e John Pierrakos fundam em 1956 o Instituto de Análise Bioenergética e à medida que o Instituto foi se expandindo para outros países passou a chamar-se Instituto Internacional de Análise Bioenergética.
Lowen traz como contribuição à teoria reichiana a continuação e o aprofundamento do estudo dos tipos caracterológicos, além do trabalho com a couraça caracterologica a partir da leitura corporal conectada à compreensão e análise da história do indivíduo.
Também desenvolveu várias técnicas de trabalho corporal a partir da sua própria vivência.
Ampliou a questão da concepção reichiana com relação ao aspecto sexual, pois não acreditava que somente o resgate do reflexo do orgasmo fosse à chave de todos e para todos os problemas e que somente por meio do trabalho consistente com todas as questões do sujeito se poderia falar em saúde emocional. Mas ignorar o papel da sexualidade na determinação da personalidade do individuo é desprezar uma das mais importantes forças da natureza, sendo que esta só pode ser compreendida a partir da estrutura da personalidade e das condições sociais.
Portanto, para possibilitar que as pessoas reescrevam e reinventem a sua própria história, o processo psicoterapêutico deve trabalhar com as tensões, com o corpo, com a análise das defesas psíquicas, com a evocação dos sentimentos reprimidos e com a análise do entorno do indivíduo.
A teoria de Wilhelm Reich chegou ao Brasil no final da década de 50 e seu mais importante transmissor/disseminador foi o Dr. José Angelo Gaiarsa – que foi quem ergueu a bandeira da valorização do corpo, da liberdade sexual, da expressão, da vida!
O movimento corporal desde então foi intenso, efervescente e vivido/vivenciado com muita paixão. Houve adesão de várias pessoas e correntes. No entanto, ao mesmo tempo em que este grupo buscava a expressão da vida vivíamos uma ditadura militar desde 31 de março de 1964. Esta época é marcada por medo, centenas de cassações, prisões em massa, torturas e mortes de opositores.
Em 1968 fecha-se o Congresso Nacional com o AI-5 o qual só seria revogado em 1978. Este período foi considerado “os anos de chumbo” da didatura militar e tinha como objetivo a repressão da expressão da vida.
Apesar de toda a repressão que acontecia no país, havia também uma efervescência humana na área cultural, principalmente no campo musical. Saímos da Bossa Nova para a MPB e as músicas de protesto até chegar ao movimento tropicalista.
Segundo Cecília Coimbra, o tropicalismo irrompe em cena, dessacralizando tanto as canções de protesto como o “iê-iê-iê” da jovem guarda e, com seu conteúdo ao mesmo tempo alegre e agressivo descobre o poder dos impulsos festivos e eróticos.
É a partir da década de 70, dentro deste contexto e movimento, que a A.B. consolidou-se em solo brasileiro com Myrian de Campos e outras pessoas. A primeira organização formal no Brasil foi a Sociedade Brasileira de Análise Bioenergética – SOBAB/SP, (1981) composta por Myrian de Campos, Eliana Izola, Eulina Ribeiro, Maria Conceição Bahia Valadares e Odila Weigand que desde então oferece programas de treinamento, curso multiprofissionais, clínica para atendimento à comunidade, classes de exercícios bioenergéticos e intervenções institucionais, seguida da fundação de outras sociedades no Brasil e na Argentina.
Em 1996, as sociedades se organizaram e criaram a Federação Latino Americana de Análise Bioenergética (FLAAB). Atualmente na América Latina temos 6 sociedades. No Brasil somos 5 -Sociedade Brasileira de Análise Bioenergética do Rio de Janeiro (SABERJ/RJ), VIBRARE/CENTRO OESTE, Sociedade Brasileira de Análise Bioenergética/SOBAB/SP, LIBERTAS RECIFE E BAHIA, Instituto de Análise Bioenergética de São Paulo/ IABSP e uma na Argentina Instituto Argentino de Análise Bioenergética /IAAB.
Em 2011 a FLAAB levou para o Peru o Curso de Facilitadores em Análise Bioenergética.
Reconhecemos que no início a Análise Bioenergética no Brasil ocupou um espaço intimista. Ficamos encapsulados no corpo de uma forma fragmentada e encastelados na clínica privada, perdendo de vista a relação do corpo com o contexto sócio político.
Estamos, há alguns anos, questionando esta postura, resgatando os princípios reichianos, integrando corpo com o plano social e nos comprometendo com as questões alarmantes da contemporaneidade. Atualmente nossas intervenções vão ao encontro da população, num movimento consciente de levar a Análise Bioenergética para além do consultório.
Temos como objetivo potencializar o desenvolvimento pessoal e profissional do sujeito humano integrado à consciência social, ambiental e à cidadania.
Quando expandimos nossos limites estamos dizendo SIM à VIDA, pois VIDA é movimento, animação, é paixão por alguém, por uma ideia, por um projeto, pela própria vida.
Enquanto profissionais da saúde, temos como tarefa diminuir o sofrimento humano e ampliar a fruição da vida. Temos que nos colocar no sentido de provocar e ser provocados, isto é, no sentido de produzir, de gerar, de promover, de facilitar, de atrair, de causar desejo.
Sabemos que manter e repetir sempre o mesmo padrão de comportamento é ficarmos presos na mesma velha realidade e que para romper estes padrões temos que ter coragem e ousar sair de nossas zonas de conforto.
Sabemos também que as teorias não são espelhadas na realidade, muito ao contrário, são ferramentas para poder intervir no sentido de manter a vida circulando, para questionar e transformar nosso cotidiano, os preconceitos, desconstruir verdades e produzir e aceitar outras formas de existir e ampliar nossa capacidade de incorporar a diferença.
Só vivendo desta forma é que poderemos sair da armadilha do medo, e assim de recuperar nossa voz e a nossa expressão.
Neste processo a FLAAB amplia sua área de atuação, filia-se à ULAPSI e ao FENPB, compartilhando com estas instituições o compromisso de fazer com que nossas ações transformem e melhorem a vida de nossos povos.
Como bem nos aponta David le Breton “Pensar o corpo é outra maneira de pensar o mundo e o vínculo social; uma perturbação introduzida na configuração do corpo é uma perturbação introduzida na coerência do mundo”.
-> Albertini, Paulo. Reich: história das ideias e formulações para a educação – São Paulo: Ágora 1994
-> Coimbra, Cecília – Guardiães da ordem – Oficina do Autor, 1995
-> Políticas do Corpo/organização Denise Bernuzzi de Sant’Ana – São Paulo: Estação Liberdade, 1995
-> Revista Reichiana n° 02- 1993. Instituto Sedes Sapientiae
-> Revista Reichiana n° 08 – 1995. Instituto Sedes Sapientiae
-> Revista Clínica do Instituto Internacional de Análise Bioenergética – volume 15 – 2005
Ana Lúcia Faria CRP/06/09321
Psicóloga; Psicoterapeuta Reichiana-Instituto Sedes Sapientiae/1987; Analista Bioenergética- Soc. Bras. de Análise Bioenergética (SOBAB)/1992;
Traine Internacional-Instituto Internacional de Análise Bioenergética/2019;
Membro do Comitê de Ensino e Trainer Internacional da SOBAB/SP;
Trainer Internacional da Sociedade de Análise Bioenergética do Rio de Janeiro/SABERJ;
Membro da Federação Latino Americana de Análise Bioenergética (FLAAB);
Representante da FLAAB na União Latino Americana de Psicologia (ULAPSI).